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A estupidificação da Humanidade
31-08-2009, 22:37
Mensagem: #1
A estupidificação da Humanidade
A estupidificação da Humanidade

Um destes dias entrei no carro e, maquinalmente, estendi o braço na direcção do rádio para o ligar. É um gesto que milhares de portugueses fazem diariamente ao início da manhã e ao fim da tarde. Mas a meio caminho suspendi o movimento. Apetecia-me ouvir o quê: música ou notícias? Subitamente percebi que aquilo que me apetecia mesmo era não ouvir nada. Apetecia-me gozar o silêncio.

E aquele gesto que suspendi, aquele simples gesto de premir um botão, separa dois modos de estar completamente diferentes, para não dizer opostos. O indivíduo que liga o rádio do carro torna-se, a partir desse momento, um ouvinte - um 'consumidor' de música ou notícias. Inversamente, o indivíduo que conserva o rádio desligado pode ser um 'produtor', porque o silêncio permite-lhe pensar.

Para bem das estações radiofónicas, a decisão de manter o aparelho de rádio desligado é cada vez menos frequente. Os indivíduos são cada vez menos produtores e cada vez mais consumidores. Já quase não sabem fazer mais nada senão consumir.

E não me refiro apenas - note-se - às compras, à necessidade de comprar, de gastar dinheiro, de estar na moda, de ter o último modelo de casaco, de camisa, de blusa, de saia, de calças, de mala, de sapatos. De possuir o último modelo de relógio. Ou de telemóvel. Ou de computador. Ou de carro.

Não me refiro apenas a este consumo: refiro-me ao consumo 'em geral'.

As pessoas sentam-se ao volante e imediatamente começam a consumir rádio. Chegam a casa, sentam-se no sofá e começam a consumir televisão.

Depois sentam-se à mesa, naturalmente a consumir... comida. Depois do jantar ou vêem televisão, ou falam ao telefone ou ao telemóvel, ou põem-se diante do computador a consumir na internet textos ou imagens. E na manhã seguinte voltam a ligar o rádio. E a caminho do emprego, depois de estacionarem o carro, põem os auriculares nos ouvidos e ouvem mais música, e no emprego ligam o computador - onde passam uma boa parte do tempo a consumir mais imagens, mensagens, e-mails, informação... E nos intervalos lêem os SMS que receberam.

Há duas gerações atrás as crianças fabricavam muitos dos seus brinquedos. Organizavam equipas de botão e de caricas, construíam carros de esferas e trotinetas, improvisavam bolas.

Faziam álbuns para guardar os selos.

Compravam construções de cartolina ou plástico para montar, algumas altamente complexas: palácios, fortalezas, aviões, navios, com centenas de peças que se tinham de recortar e colar com Cola Cisne (no caso da cartolina) ou com cola tudo (no caso das construções de plástico). E havia outros brinquedos como o Lego, constituído por peças de encaixar (como se fossem tijolos) com as quais se fazia todo o tipo de construções ao sabor da imaginação.

Estas crianças que construíam os seus próprios brinquedos ainda estavam próximas do homo faber, do homem fabricante dos utensílios necessários para sobreviver. Mas em duas gerações tudo mudou. As crianças deixaram progressivamente de construir brinquedo e tornaram-se furiosas consumidoras. Não constroem nada, mas têm os quartos cheios de brinquedos comprados nas lojas. E nos tempos livres consomem televisão e DVD ou jogam no computador, enquanto comem bolachas, pipocas ou batatas fritas e bebem Coca-Cola.

O problema agrava-se pelo facto de, a esse vazio produtivo, se somar uma demissão de pensar. Na sua fúria consumidora, os homens desabituaram-se de pensar. Perderam a disponibilidade para pensar. Não têm tempo para pensar. Têm medo de pensar. Têm preguiça de pensar. Quando arranjam um bocadinho livre sentem-se mal, agarram-se ao telemóvel a marcar números, a falar, a receber mensagens.

A expressão opinion makers é um produto desta sociedade onde as pessoas só consomem e não pensam. Até porque, se lhes sucede - num momento raro - pensarem um bocadinho e chegarem a uma conclusão diferente da que é partilhada pela maioria, assustam-se e acham que se enganaram. Sentem-se, pois, mais seguras a consumir as opiniões alheias, as opiniões das pessoas pagas para pensar. As tais opiniões dos opinion makers ou opinion leaders.

E isto verifica-se hoje de forma generalizada e a todos os níveis da sociedade. Há pessoas influentes e consideradas no mundo dos media que dizem, por exemplo, coisas como esta:

«Nos jornais, não é preciso inventar nada, porque já foi tudo inventado. Basta copiar os bons exemplos». Ou seja, basta consumir o que já existe. E há um tempo ouvi um conhecido escritor dizer: «Leio por prazer e escrevo para sobreviver». Para ele, o prazer consiste em consumir. O acto de produzir tornou-se uma chatice, uma obrigação.

A transformação do homem em puro consumidor, em consumidor sôfrego, que desistiu de produzir objectos ou ideias (ou se aborrece a fazê-lo), é um problema formidável que vai transformar profundamente a Humanidade. Dizer-se que as pessoas hoje têm mais informação é uma ilusão: consomem, de facto, mais informação, funcionam como esponjas, mas depois não usam essa informação porque não produzem quase nada.

Simplificando as coisas, pode dizer-se que o mundo se divide hoje em produtores e consumidores.

Há os que produzem e há os que consomem.

O problema é que os produtores são cada vez menos e os consumidores formam uma legião cada vez maior. Máquinas cada vez mais velozes e sofisticadas multiplicam por milhões produtos pensados por uma pequeníssima minoria de criadores.

E essa legião de consumidores assemelha-se progressivamente a uma legião de escravos - escravos de todos os tipos de consumo, inclusivamente das opiniões de outros.

Durante séculos a Humanidade evoluiu porque os seres humanos eram obrigados a produzir e a pensar. Hoje vive-se a situação contrária: como os homens estão a desabituar-se de pensar, a Humanidade encontra-se num processo de estupidificação.

Durante séculos a Humanidade evoluiu porque os seres humanos eram obrigados a produzir e a pensar. Hoje vive-se a situação contrária: como os homens estão a desabituar-se de pensar, a Humanidade encontra-se num processo de estupidificação.

José António Saraiva, tabu 15-11-2008 Pg. 72/73
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01-09-2009, 12:52 (Esta mensagem foi modificada pela última vez a: 01-09-2009 17:55 por BladeRunner.)
Mensagem: #2
RE: A estupidificação da Humanidade
(31-08-2009 22:37)Lápis Azul Escreveu:  A estupidificação da Humanidade

Um destes dias entrei no carro e, maquinalmente, estendi o braço na direcção do rádio para o ligar. É um gesto que milhares de portugueses fazem diariamente ao início da manhã e ao fim da tarde. Mas a meio caminho suspendi o movimento. Apetecia-me ouvir o quê: música ou notícias? Subitamente percebi que aquilo que me apetecia mesmo era não ouvir nada. Apetecia-me gozar o silêncio.

E aquele gesto que suspendi, aquele simples gesto de premir um botão, separa dois modos de estar completamente diferentes, para não dizer opostos. O indivíduo que liga o rádio do carro torna-se, a partir desse momento, um ouvinte - um 'consumidor' de música ou notícias. Inversamente, o indivíduo que conserva o rádio desligado pode ser um 'produtor', porque o silêncio permite-lhe pensar.

Para bem das estações radiofónicas, a decisão de manter o aparelho de rádio desligado é cada vez menos frequente. Os indivíduos são cada vez menos produtores e cada vez mais consumidores. Já quase não sabem fazer mais nada senão consumir.

E não me refiro apenas - note-se - às compras, à necessidade de comprar, de gastar dinheiro, de estar na moda, de ter o último modelo de casaco, de camisa, de blusa, de saia, de calças, de mala, de sapatos. De possuir o último modelo de relógio. Ou de telemóvel. Ou de computador. Ou de carro.

Não me refiro apenas a este consumo: refiro-me ao consumo 'em geral'.

As pessoas sentam-se ao volante e imediatamente começam a consumir rádio. Chegam a casa, sentam-se no sofá e começam a consumir televisão.

Depois sentam-se à mesa, naturalmente a consumir... comida. Depois do jantar ou vêem televisão, ou falam ao telefone ou ao telemóvel, ou põem-se diante do computador a consumir na internet textos ou imagens. E na manhã seguinte voltam a ligar o rádio. E a caminho do emprego, depois de estacionarem o carro, põem os auriculares nos ouvidos e ouvem mais música, e no emprego ligam o computador - onde passam uma boa parte do tempo a consumir mais imagens, mensagens, e-mails, informação... E nos intervalos lêem os SMS que receberam.

Há duas gerações atrás as crianças fabricavam muitos dos seus brinquedos. Organizavam equipas de botão e de caricas, construíam carros de esferas e trotinetas, improvisavam bolas.

Faziam álbuns para guardar os selos.

Compravam construções de cartolina ou plástico para montar, algumas altamente complexas: palácios, fortalezas, aviões, navios, com centenas de peças que se tinham de recortar e colar com Cola Cisne (no caso da cartolina) ou com cola tudo (no caso das construções de plástico). E havia outros brinquedos como o Lego, constituído por peças de encaixar (como se fossem tijolos) com as quais se fazia todo o tipo de construções ao sabor da imaginação.

Estas crianças que construíam os seus próprios brinquedos ainda estavam próximas do homo faber, do homem fabricante dos utensílios necessários para sobreviver. Mas em duas gerações tudo mudou. As crianças deixaram progressivamente de construir brinquedo e tornaram-se furiosas consumidoras. Não constroem nada, mas têm os quartos cheios de brinquedos comprados nas lojas. E nos tempos livres consomem televisão e DVD ou jogam no computador, enquanto comem bolachas, pipocas ou batatas fritas e bebem Coca-Cola.

O problema agrava-se pelo facto de, a esse vazio produtivo, se somar uma demissão de pensar. Na sua fúria consumidora, os homens desabituaram-se de pensar. Perderam a disponibilidade para pensar. Não têm tempo para pensar. Têm medo de pensar. Têm preguiça de pensar. Quando arranjam um bocadinho livre sentem-se mal, agarram-se ao telemóvel a marcar números, a falar, a receber mensagens.

A expressão opinion makers é um produto desta sociedade onde as pessoas só consomem e não pensam. Até porque, se lhes sucede - num momento raro - pensarem um bocadinho e chegarem a uma conclusão diferente da que é partilhada pela maioria, assustam-se e acham que se enganaram. Sentem-se, pois, mais seguras a consumir as opiniões alheias, as opiniões das pessoas pagas para pensar. As tais opiniões dos opinion makers ou opinion leaders.

E isto verifica-se hoje de forma generalizada e a todos os níveis da sociedade. Há pessoas influentes e consideradas no mundo dos media que dizem, por exemplo, coisas como esta:

«Nos jornais, não é preciso inventar nada, porque já foi tudo inventado. Basta copiar os bons exemplos». Ou seja, basta consumir o que já existe. E há um tempo ouvi um conhecido escritor dizer: «Leio por prazer e escrevo para sobreviver». Para ele, o prazer consiste em consumir. O acto de produzir tornou-se uma chatice, uma obrigação.

A transformação do homem em puro consumidor, em consumidor sôfrego, que desistiu de produzir objectos ou ideias (ou se aborrece a fazê-lo), é um problema formidável que vai transformar profundamente a Humanidade. Dizer-se que as pessoas hoje têm mais informação é uma ilusão: consomem, de facto, mais informação, funcionam como esponjas, mas depois não usam essa informação porque não produzem quase nada.

Simplificando as coisas, pode dizer-se que o mundo se divide hoje em produtores e consumidores.

Há os que produzem e há os que consomem.

O problema é que os produtores são cada vez menos e os consumidores formam uma legião cada vez maior. Máquinas cada vez mais velozes e sofisticadas multiplicam por milhões produtos pensados por uma pequeníssima minoria de criadores.

E essa legião de consumidores assemelha-se progressivamente a uma legião de escravos - escravos de todos os tipos de consumo, inclusivamente das opiniões de outros.

Durante séculos a Humanidade evoluiu porque os seres humanos eram obrigados a produzir e a pensar. Hoje vive-se a situação contrária: como os homens estão a desabituar-se de pensar, a Humanidade encontra-se num processo de estupidificação.

Durante séculos a Humanidade evoluiu porque os seres humanos eram obrigados a produzir e a pensar. Hoje vive-se a situação contrária: como os homens estão a desabituar-se de pensar, a Humanidade encontra-se num processo de estupidificação.

José António Saraiva, tabu 15-11-2008 Pg. 72/73

Eu não me considero "consumidor"... não faço a minha música mas ouço a que quero e como quero, na ordem que quero... graças a 16gb de mp3 numa pen ligada via usb!
Rádio Não ouço... é só música imposta pelas editoras, comercial, além de ser repetitiva, ao longo de um dia ouvimos o mesmo nas mais variadas estações! E depois falam antes, durante e no fim das músicas, numa linguagem dedicada a "morangos com açucar"... lá está a estupidificação!

E agora uma acha para a fogueira: temos dois extremos que contribuem para essa mesma estupidificação: um é aquilo a que te referiste outro é a religião! Só que esta tem trabalhado há muito mais tempo e com outros resultados...
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01-09-2009, 17:33 (Esta mensagem foi modificada pela última vez a: 01-09-2009 17:33 por Lápis Azul.)
Mensagem: #3
RE: A estupidificação da Humanidade
(01-09-2009 12:52)BladeRunner Escreveu:  ... outro é a religião! Só que esta tem trabalhado há muito mais tempo e com outros resultados...

É bem verdade caro amigo: E como se diz na gíria: "A antiguidade é um posto!"...
O outro dizía e com razão: a religião é o ópio do povo...
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02-09-2009, 00:44
Mensagem: #4
RE: A estupidificação da Humanidade
Já tinha pensado nisto, confesso, por vezes fico meio em estado vegetal e navego por alguns assuntos que requerem atenção.

A internet veio dar mais uma ferramenta ás pessoas para não cairem nisto, a rádio, televisão, é verdade que podem estupidificar, mas também te pode dar conhecimento.

o problema reside exactamente quando te tornas passivo, é como mencionas, o gesto mecânico, entras no carro e tornas-te consumidor. No entanto se estiveres a agir activamente para queres ouvir algo, as noticias, por exemplo, já não podes considerar que te estas a estupidificar.

Vamos lá ver se me faço entender, não são os meios propriamente ditos que criam o conceito de estupidificação, mas sim o uso que tu lhes dás.

No antigamente, acontecia exactamente o mesmo, mas a uma escala diferente. Pura e simplesmente havia menos informação.
As crianças consumiam a informação que havia na rua, que o "Jaquim" da loja das bicicletas lhes dava. Criam apartir das suas experiências.

Hoje passa-se exactamente a mesma coisa, o tais consumidores, criam aplicações para o iPhone, criam a WiTricity, criam, podem criar algo que te parece estupidificação, mas só se passares a viver para aquilo.

Se as pessoas não fossem consumidoras, estaríamos todos a tentar criar fogo com duas pedras, ou numa hipótese mais risonha, a tentar criar a roda.

É o "consumismo" que alimenta a evolução (claro que não estou a falar das compras compulsivas na Zara, estou a falar de consumismo de informação, ok?), porque é o consumismo que faz com que tu, como individuo absorvas informação numa espaço menor de tempo que a geração anterior, e com isso dês o teu maior ou menor incremento para a geração seguinte.

Admito que entendo o que queres dizer, quando mencionas a demissão de pensar, é verdade, mas é verdade para um sub-conjunto da população.

Para uma boa parte da população, se aumentarem o pão para o dobro, encolhem os ombros, mas se a ADSL sobe 1€ ... ai ai ai que se fazem petições.
Também é verdade que hoje se copia mais facilmente do que se cria, mas, em boa verdade, não estando tudo inventado, já há muito mais "rodas" construídas, e que não é preciso refazer, basta usar e progredir.

A religião é outro assunto, não é consumismo, é mesmo manipulação da mente e lavagem cerebral.

JP
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